quarta-feira, 21 de março de 2012

Festival das Migrações: Emigração, filha bastarda da literatura portuguesa


Fotos: Carlos de Jesus
A emigração portuguesa vista por José Luís Peixoto e Altina Ribeiro. Duas gerações, duas experiências, dois livros sobre um tema que a literatura portuguesa ainda enjeita, lamentam os dois escritores.

A conferência com os escritores José Luís Peixoto e Altina Ribeiro, no domingo, no Salão do Livro do Festival das Migrações, acabou por ser totalmente dominada pelo tema da emigração. Ou não fossem os mais recentes romances dos dois autores dedicados a esse tema.

No caso de Altina Ribeiro, tanto o seu primeiro livro "Le fado comme seul bagage" (que vai ser adaptado para cinema por Anna da Palma), como o segundo, "Alice au pays de Salazar", falam da emigração. No primeiro fala de como emigrou para Paris com os pais, aos 9 anos, em 1969. O segundo é a história de uma amiga, que lhe pediu para contar em livro a sua experiência da emigração.

No seu último romance, intitulado "Livro", José Luís Peixoto inspira-se na emigração dos pais para França, também nos anos 60. "A emigração para mim é a história antes de mim, porque eles regressaram a Portugal após o 25 de Abril e eu nasci em Setembro de 1974", diz.

Altina resume o seu primeiro livro, no qual fala de como se sentiu desenraizada, de como descobriu a electricidade pela primeira vez, do "décalage" intergeracional com os pais, da emigração clandestina, dos "bidonsvilles" (bairros de lata). Recorda como o pai foi "a salto" para França, quase dois mil quilómetros a pé e em camiões de gado. Altina tinha dois anos e recorda que não reconhecia o pai quando este voltava a Portugal. "Quando vinha, o meu pai era um estranho, eu até ficava aliviada quando ele se ia embora".

Para Peixoto, a emigração era o que ouvia das conversas entre os pais e as irmãs. Eram as "auto-rutas", os "auto-buses", os "fogos-ruges", os "magasins", uma linguagem codificada e misteriosa para a criança que José Luís era, confiou no altura em que lançou o livro, em 2010. "Quando falavam de França, eu ficava de fora". "Há muitos filhos de emigrantes que vão para Portugal para descobrir o país dos pais. Este 'Livro' é para mim o caminho inverso, sou eu a tentar descobrir a emigração que os meus pais viveram. E também foi para me descobrir a mim próprio. Sou da geração que se define pelo que não viveu: a ditadura, a revolução, a emigração, a guerra colonial. Graças a este livro percebi o contexto em que nasci".

Peixoto conta que a reacção que o "Livro" recebeu fez-lhe perceber que em Portugal se precisava de falar deste tema. "Algumas pessoas perguntaram-me se eu tinha feito muita pesquisa para escrever este livro. Parece que não se dão conta que a emigração ainda é uma realidade". E lamenta que nem os antigos emigrantes falem, nem o resto da população, para quem a emigração parece um acto consumado, quando esta nunca realmente cessou. "Não há muitos romances sobre a emigração portuguesa e isso é inacreditável, quando um milhão e meio de portugueses emigrou para França nos anos 60 e 70. A literatura portuguesa raramente aborda o assunto, é tabu, não se fala e há sobretudo muitos clichés", critica o escritor. "Não há uma relação pacífica com este tema. Eu não sabia que havia dificuldades em Portugal para falar nisto. Para mim foi fácil, porque não o vivi. Mas penso que escrever sobre isso pode tornar mais sã a nossa relação com o passado. Em Portugal temos um problema com muitas questões do nosso passado, não só com a emigração".

"Os emigrantes merecem um reconhecimento porque construíram dois países, o país que deixaram e para onde enviavam dinheiro, e o país onde trabalharam. Admiro-os porque se lançaram no desconhecido e seguiram os seus sonhos. Quem segue os seus sonhos faz o mundo avançar".

"O meu primeiro livro é uma homenagem aos meus pais e a todos os emigrantes", diz também Altina. "Eles não sabiam escrever, não tinham meios para contar essa experiência, essa dor, então contei-a eu".

Na sua relação com a emigração como noutros domínios, Peixoto considera que Portugal é "bipolar".

"Acho que o país precisa de uma psicanálise. Num dia, somos os maiores, não há Expo como a nossa, vamos ganhar o Mundial de Futebol. No outro, somos os mais desgraçadinhos". Para o escritor, Portugal "evoluiu demasiado depressa" no último meio século. "A imagem do país deixou de ser a velhinha vestida de preto e com bigode, para passar a ser a ponte Vasco da Gama. Não percebo porque temos orgulho numa coisa, e esquecemos e escondemos a outra. As duas coisas coabitam, essa velhinha de bigode é a nossa avó, e é muito triste ter vergonha da nossa avó. Temos que encontrarmo-nos como país nesses dois pólos", aconselha José Luís Peixoto ao deitar o país no divã.

Texto: José Luís Correia

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