Foto: M. Dias |
Éconhecido pelo humor ácido das suas letras e pela defesa dos direitos dos imigrantes. Na canção "Kosovomoss" ("A rapariga do Kosovo"), uma música editada em 2004, no auge da vaga de refugiados vindos dos Balcãs, Serge Tonnar apontava o dedo às más condições do Foyer Don Bosco, um centro de acolhimento de requerentes de asilo situado em Limpertsberg. A música denunciava o contraste entre a riqueza dos bancos e das elites que vivem naquele bairro da capital e "o gueto nada elitista" que acolhe os refugiados. " Seis metros quadrados por família e casas de banho no corredor / Pois, não há aqui muito espaço, desculpa pelo fedor ", denunciava o músico na canção, que teve direito a um vídeo realizado pelo irmão, o realizador luxemburguês Yann Tonnar.
Quase uma década depois, o músico acompanha com preocupação os sinais crescentes de xenofobia no país e as dificuldades enfrentadas pelos requerentes de asilo.
"Há uns tempos, pus o vídeo da canção 'Kosovomoss', que saiu há quase dez anos mas continua a ser actual, na minha página do Facebook. E fiquei chocado com a quantidade de comentários xenófobos e nacionalistas que recebi. Vi que entre os meus 'amigos' – tenho quatro mil amigos no Facebook – havia pessoas que pensavam assim. Comecei a reagir, a responder-lhes, e foi então que decidi publicar a imagem com a grã-duquesa Charlotte".
Na imagem, vê-se a grã-duquesa com a legenda "Asylant" ("requerente de asilo"). Uma forma de recordar que a antiga soberana luxemburguesa também foi obrigada a pedir asilo durante a Segunda Guerra Mundial. A neta do rei português D. Miguel conseguiu em 1940 o visto para entrar em Portugal, tendo depois seguido para Inglaterra, Canadá e Estados Unidos, onde permaneceu a maior parte do exílio.
"A grã-duquesa Charlotte é um símbolo nacional, e eu quis mostrar que toda a gente se pode encontrar nesta situação e ter de pedir asilo, até a grã-duquesa. Era pedagógico: provocador, certamente, mas pedagógico", explica o músico.
QUEIXA "PÕE EM CAUSA LIBERDADE DE EXPRESSÃO"
A fotografia da antiga grã-duquesa é uma das duas imagens que serve de base à queixa-crime apresentada contra o músico pela associação "Lëtzebuerger Patrioten" ("Patriotas Luxemburgueses"). Na queixa que deu entrada no Tribunal de Diekirch em 6 de Abril, a associação acusa Tonnar de difamação e assédio da família grã-ducal. E ameaça processar igualmente outros utilizadores do Facebook, incluindo a página de luta contra a xenofobia "Pierre Peters, nee merci" ("Pierre Peters, não obrigado"). Uma página criada inicialmente para denunciar o nacionalista luxemburguês Pierre Peters, e que depois se converteu num instrumento de luta contra o racismo.
A associação acusa também Serge Tonnar de publicar a imagem de uma obra de arte polémica do artista belga Steve Jacobs. No quadro, intitulado "Disneylândia", a família grã-ducal é retratada com as orelhas do rato Mickey. Uma obra controversa censurada em 2009 pelo embaixador do Luxemburgo na Bélgica, que recusou exibir a tela, encomendada para uma exposição na Casa do Luxemburgo em Bruxelas. Serge Tonnar ficou chocado com a censura do quadro e decidiu comprá-lo.
"Tenho-o na minha cozinha", conta o músico. "É uma obra de arte belíssima, e que me inspirou uma música chamada Disneylândia. É um pouco essa a imagem que as pessoas têm do Luxemburgo: um país fantástico, rico, com uma família real, o que vai sendo raro na Europa... Mas por detrás dessa fachada, há sempre coisas menos 'limpas'", acusa.
A começar pelo aumento da xenofobia no país, de que este episódio é mais um sinal, denuncia o músico. Por detrás da queixa-crime de que é alvo, está a associação "Lëtzebuerger Patrioten", criada em Agosto do ano passado. Uma associação que tem como líderes Francis Soumer e Daniel Schmitz, que assinam vários comentários xenófobos no Facebook. Em Dezembro, a RTL identificou o director da associação, Francis Soumer, como um dos quatro administradores de uma página no Facebook com comentários xenófobos e insultos contra os requerentes de asilo. Mas nos estatutos da associação, publicados a 2 de Dezembro do ano passado no "Mémorial", o diário oficial do Luxemburgo, diz-se apenas que a associação tem por fim "ajudar os cidadãos em dificuldades, os idosos e os deficientes".
"É evidente que se trata de pessoas de extrema-direita", acusa Tonnar. "Eu desconhecia a existência desta associação até receber a queixa-crime, de contrário teria pedido para ser membro, porque eu também sou patriota", ironiza.
"Para mim, o termo 'patriota' não é negativo, estas pessoas é que dão mau nome ao patriotismo. Mas ser patriota, amar o seu país e as pessoas que o compõem, não é um insulto. Eu não tenho nada contra o grão-duque nem contra a família grã-ducal", diz o músico, que frisa que em nenhum momento a família grã-ducal se queixou das imagens que publicou no Facebook. "Também não tenho nada contra o meu país, pelo contrário. Mas é preciso ser crítico. E é isso que eu sou, um patriota crítico, como todos os patriotas deviam ser", diz.
Para já, o músico desvaloriza a queixa, e espera que esta seja arquivada. "Isto é ridículo, mas se a justiça der seguimento a esta queixa, é a liberdade de expressão que está em perigo. Mas acho que a justiça tem mais que fazer", diz.
O que o preocupa é o aumento do racismo e da xenofobia na Europa, um fenómeno a que o Luxemburgo não é estranho. "Estamos em crise, e é fácil encontrar bodes expiatórios. E os estrangeiros e os refugiados são um alvo fácil", alerta.
O CONTACTO tentou até ao fecho desta edição ouvir a associação "Lëtzebuerger Patrioten", sem sucesso.
Na origem da queixa-crime estão duas imagens publicadas pelo músico luxemburguês Serge Tonnar no Facebook. Numa, vê-se a grã-duquesa Charlotte com a legenda "Asylant" ("requerente de asilo"), uma forma de recordar que a antiga soberana também foi obrigada a pedir asilo, durante a ocupação nazi. A outra mostra o quadro "Disneylândia", do artista belga Steve Jacobs. Censurado em 2009 pelo embaixador do Luxemburgo na Bélgica, o quadro volta a ser objecto de polémica
Texto: Paula Telo Alves
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