segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Portugal/Centenário da República: 100 anos depois, regionalização continua promessa por cumprir

A República termina em 2010 o primeiro centenário sem ter cumprido uma das suas promessas mais emblemáticas: a substituição dos distritos pelas regiões administrativas ou, como lhes chamavam os republicanos primitivos, as "províncias".

A promessa era antiga quando em 1910 os republicanos depõem a monarquia: Já em 1891, ano em que se dá a revolta do 31 de Janeiro no Porto, o advogado José Jacinto Nunes havia apresentado, em nome do Partido Republicano, um projecto de Código Administrativo onde se prometia uma maior descentralização e maior autonomia dos poderes autárquicos.

"O continente da República portuguesa divide-se em províncias, as províncias em municípios e estes em freguesias" - dizia, no seu artigo 1º, o projecto de Jacinto Nunes. Desapareciam nesta proposta os distritos.

Como diz o historiador Gaspar Martins Pereira, "o projecto republicano de Código Administrativo apontava no sentido de uma regionalização do país", mas "instaurada a República, o projecto de Código Administrativo, elaborado por uma comissão governamental presidida pelo mesmo Jacinto Nunes e apresentado à Câmara dos Deputados e ao Senado, em 1913 e 1914, seria bastante mais recuado".

Gaspar Martins Pereira cita o investigador César Oliveira para classificar a solução encontrada pela Primeira República de "centralismo administrativo 'mitigado', defensor, no plano ideológico, da descentralização 'municipalista', com base no ideário republicano original mas mantendo, no plano prático, a supremacia do poder central" e "continuando à frente dos distritos magistrados políticos da confiança dos governos".

Contrariando o que defendera antes, Jacinto Nunes propôs um projecto que regressava à divisão herdada da Monarquia: distritos, concelhos e freguesias.

Após dois anos de discussão, e perante um parlamentar que na Câmara dos Deputados defendeu as províncias, argumentando tratar-se da divisão que melhor defenderia "os costumes e tradições" de Portugal, Jacinto Nunes respondeu que tinha surgido no país uma "oposição contra essa divisão administrativa" mal tinham sido conhecidas as intenções da comissão relativamente ao tema.

"Protestaram Viana do Castelo, Castelo Branco, Guarda e Aveiro e outras sedes de distrito, isto é, os interesses que tinham subsistido à sombra da divisão distrital" - explicou Jacinto Nunes.

A questão continuaria a gerar discussão parlamentar: Os defensores das províncias consideravam-nas o melhor antídoto contra o "congestionamento do Terreiro do Paço", enquanto os opositores argumentavam que um novo patamar administrativo só podia arrastar "maior complicação e morosidade nos serviços".

Os entusiastas do distrito admitiam a eventual supressão de alguns, facilitando a passagem a circunscrições de maior superfície, mas não o seu desaparecimento definitivo em prol de uma divisão de nível superior.

Em contraponto, a facção regionalista classificava os distritos de "viveiros de empregados" e defendia a sua federação em províncias, cada uma das quais composta por dois ou três distritos.

O país ficaria então assim dividido: Minho (Braga e Viana do Castelo), Trás-os Montes (Bragança e Vila Real), Douro (Porto e Aveiro), Beira Alta (Guarda e Viseu), Beira Baixa (Coimbra, Castelo Branco e Coimbra), Estremadura (Leiria, Lisboa, Santarém), Alentejo (Évora, Beja e Portalegre) e Algarve (Faro).

Como a história o mostrou, a inicial vocação regionalista da República morreu à nascença e o Estado Novo viria a colocar uma pedra maior sobre a que os republicanos depositaram sobre as regiões administrativas.

Cem anos depois, o tema continua a dividir o país em moldes e com argumentos praticamente iguais, sem que, novamente, se tenha visto propriamente luz ao fundo do túnel.

Miguel Sousa Pinto,
da Agência Lusa

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