quarta-feira, 9 de maio de 2012

Trabalhadores da Construção Civil dizem não às 52 horas e devolvem a proposta ao patronato


Mais de três mil trabalhadores da Construção quiseram dizer “não às 52 horas” na manifestação convocada na sexta-feira passada pelas centrais sindicais LCGB e OGB-L. Os sindicatos esperavam duas mil pessoas, mas o Centro Atert, em Bertrange, foi pequeno para tanta gente. "Não às 52 horas!”, “Queremos a nossa vida familiar!” ou “Melhores salários!”, foram algumas das palavras de ordem ouvidas contra o patronato.

Na base desta primeira manifestação organizada pelas duas centrais sindicais luxemburguesas, está o impasse nas negociações da convenção colectiva do sector e a recente proposta de flexibilização das horas de trabalho por parte do patronato da Construção e Engenharia Civis.

O patronato quer aumentar o número de horas de trabalho por semana, entre Abril e Outubro. Os trabalhadores podem vir a ter de fazer um máximo de 52 horas por semana, contra as actuais 48, para compensar o tempo perdido no Inverno por causa da "chômage intempéries" (licença de mau tempo). Com este modelo, os trabalhadores poderiam receber o salário integral durante o Inverno. Actualmente, e durante a "chômage intempéries", recebem apenas 80 % da soma. A OGB-L e a LCGB estão contra o aumento para 52 horas e dizem que este "constitui um grave atentado contra as condições de trabalho de dezenas de milhares de trabalhadores no sector da construção."

UMA VIDA DE SINDICÂNCIA

Aníbal Pinto, deixou o concelho de Pombal para chegar ao Luxemburgo no dia 5 Setembro de 1966, há 46 anos. Trabalha na construção civil há 35 e leva os mesmos anos de sindicância. Os pioneiros do 1o de Maio são a sua referência.

"Houve muito boa gente que lutou pelas 40 horas semanais e por um ordenado. As 40 horas semanais chegam bem, mas o ordenado é pouco. O 1o de Maio foi fundado com uma revolução na América há muitos anos para reivindicar as condições de trabalho. Houve pessoas que morreram a reivindicar esses direitos e esses foram os mais importantes para mim. Depois de tudo o que se passou, se isto voltasse atrás seria uma vergonha. Por isso, hoje, quem quiser ir para a frente tem de lutar", desafia Aníbal Pinto.

Em 1966, no Luxemburgo, os trabalhadores da construção faziam em média 10 horas por dia, mas naquele tempo as condições eram diferentes e "eram poucos os que reclamavam".

"Quando cheguei, em 1966, era corrente trabalhar 10 horas por dia, mas os patrões pagavam as horas extraordinárias e as deslocações para quem tinha de ir trabalhar para mais longe. Hoje, essas coisas já não existem. É certo que se faziam 10 horas, mas nessa altura havia pouca gente que reclamava as horas de trabalho", lembra o trabalhador da construção.

"Os italianos eram os que cá estavam antes e ganhavam bem. Nesse tempo, quem não estivesse contente com o patrão no dia seguinte tinha outro e já estava a trabalhar. Não se perdia nenhum dia. Ainda solteiro, trabalhei com cinco patrões e só perdi um dia de trabalho, porque quando saía de um patrão já tinha outro", recorda.

Aos 22 anos casou-se e quando a mulher ficou sem trabalho era o seu salário da altura que suportava tudo.
"Comparativamente, ganhava-se mais naquela altura do que hoje. Nesse tempo, a minha mulher deixou de trabalhar e mesmo assim o salário ajudava para viver. Já hoje, não imagino um casal a trabalhar só com um salário. Penso que não dava para aguentar. As dificuldades são outras e o euro também veio dificultar muito o custo de vida e tem sido, dia-a-dia, uma grande mudança", lamenta.

Passados quatro décadas e a um ano da reforma, Aníbal mantém a rotina casa-trabalho-casa. A mesma rotina para cerca de 12 mil portugueses que trabalham na construção, no Luxemburgo. Talvez como recompensa pela idade, e ao contrário de muitos colegas, tenha tido a sorte de trabalhar a 20 minutos de casa. "Por acaso, não perco muito tempo para o trabalho. Em 20 minutos estou em casa, mas há colegas que moram bem mais longe do que eu, e muitos deles além-fronteira, a 80 e 90 quilómetros", diz.

"Esses homens, com 12 horas de trabalho e mais duas horas de caminho entre casa-trabalho-casa, fazem 14 horas por dia. Não têm tempo para a família e, além disso, o cansaço é um perigo. Lembro-me de uns painéis na estrada que diziam ‘o cansaço mata’. Mas o cansaço não mata só na estrada, também mata nas obras. Se não for isso, os erros começam a aparecer no trabalho e a qualidade deixa de ser a mesma. Falta-me um ano para a reforma, mas eu não penso só em mim, penso também no futuro e vejo aqui razões para continuar a lutar", afirma convicto Aníbal Pinto.

"A VIDA FAMILIAR ACABOU. VAI HAVER MAIS DIVÓRCIOS"

Apesar dos discursos oficiais em francês, a língua portuguesa – "língua oficial da construção" – fez-se notar entre os mais de três mil manifestantes. A maioria eram portugueses, mas também marcaram presença alguns cabo-verdianos, ex-jugoslavos, e outras nacionalidades vindas de diversos pontos do país.

No final da manifestação, o CONTACTO sentiu o pulsar de alguns portugueses e ouviu as suas preocupações.
"Estava a par do que se passava, mas fiquei um pouco mais esclarecido ao vir aqui. Acho que é muito má esta proposta das 52 horas e não podemos deixar isto ir para a frente", refere Mário Mendes, que leva já 20 anos de construção civil no Luxemburgo. "Acho que as 40 horas estão bem e para quem tem de fazer muitos quilómetros, 12 horas por dia é impossível. As pessoas têm de ter a noção que esta vida da construção é muito dura", conclui.

"Com o aumento das horas, acho que acabou a vida de família. Penso que vai haver mais divórcios porque quando se vive com uma mulher e não se passa tempo com ela a relação degrada-se. Vai ser trabalho e mais trabalho, e quando chegarmos a casa vamos querer é dormir e nem vamos ter tempo para ter relações com a mulher. De certeza que a mulher vai arranjar outro com quem fazer a vida de casa, porque não vamos estar em casa. Isto não pode ser", desabafa Fernando Afonso.

Pascoal Quintas partilha também a preocupação familiar. "Se isto for levado a cabo vai prejudicar muita gente, muitas famílias. Vai haver mais cansaço, mais acidentes de trabalho e praticamente não vai haver tempo para estar com a família. No meu caso, tenho de levantar-me às 5h30 e pôr-me a caminho do trabalho às 6 horas. À tarde, chego a casa por volta das 17h30 ou 18h, e com o trânsito chego a fazer, às vezes, mais de uma hora de trajecto. Se aumentarem as horas, toda a gente vai sair à mesma hora do trabalho e o trânsito vai continuar o mesmo. Ainda não sou casado, mas quando isso acontecer, vou ser prejudicado como qualquer casal", antevê o jovem de 27 anos.

"Estamos sujeitos a estas coisas, mas acho mal. É muita hora de trabalho por dia para quem, ao fim de um dia de trabalho pesado, chega a casa e tem a família. Se oitos horas já são duras, quanto mais 12. Sei que existe uma lei que não deixa fazer mais de 48 horas, mas não sei como é que os patrões vão dar volta a isso. Estou confiante que o sindicato vai ganhar [esta causa]", confia Arlindo Campelo, residente no Luxemburgo há 11 anos.

"Há algo alguns meses, devido às horas extras, os patrões queriam reduzir as horas porque o pessoal estava muito cansado. Agora, querem aumentar as horas? Há aqui algo que não bate certo", refere, por seu lado, Marcelo Afonso, que qualifica ainda a proposta dos patrões de "estúpida". "Se um patrão tem, por exemplo, cinco pessoas, ao fim de uma semana de 52 horas, essas cinco pessoas vão fazer uma semana a mais de trabalho. Ao fim do mês vai ser o dobro do trabalho. Ou o patrão tem muito trabalho em carteira ou vai ter de reduzir o número de trabalhadores ao fim de um ano, porque não vai precisar de tanto pessoal. Fala-se tanto em falta de trabalho e acho essa proposta de aumento de número de horas uma estupidez", desabafa.

Já Aníbal Pinto vê na manifestação um “sentir do pulso” e uma organização capaz e preparada para novas batalhas. “Hoje está na moda exagerar e ultrapassar os limites. Os patrões bem tentam, mas estamos aqui para apoiar os sindicatos. Penso que esta manifestação serviu para sentir o pulso, e vejo que os que aqui estiveram estão dispostos a ir a mais manifestações, caso seja necessário, e acredito que podem trazer ainda mais gente. Os patrões até podem conseguir obter 48 horas, mas mais do que isso seria uma vergonha. Quanto à questão salarial, já nos cortaram um dos dois "índex" [ indexação automática dos salários, n.d.R. ] por ano e estão a ver se cortam também o outro. O meu lema é 'uma pessoa que é bem paga, faz um bom trabalho e um mal pago faz um mal trabalho’, por isso, um operário bem pago rende mais do que um operário insatisfeito", diz o operário da construção.

NEM TODOS OS PORTUGUESES ACREDITAM NOS SINDICATOS

"Os portugueses são conhecidos como bons trabalhadores e não são idiotas. Gostam de ver o trabalho reconhecido, mas alguns não pensam nisto e só pensam em trabalhar. Não ligam ao trabalho sindical e não estão dispostos a pagar uma quota ao sindicato porque, segundo eles, o sindicato não faz nada por eles e não vale a pena" denuncia ainda Aníbal Pinto.

"A questão é que os sindicatos no Luxemburgo não são tão extravagantes como noutros países, onde se apela à greve diariamente, mas penso que nas mesas das negociações fazem o trabalho deles. Estou sindicalizado há 35 anos e se não pensasse assim, não pagava a minha quota. Os sindicatos são o nosso porta-voz e nós temos de acompanhá-los, mesmo que isto chegue à greve", insta.

"Greve" é uma palavra quase tabu no Luxemburgo e há poucas memórias deste fenômeno no Grão-Ducado.
"Desde que trabalho, só conheci um ou dois dias de greve. O Luxemburgo não é um país disso e nunca houve assim grandes greves. Já se conheceu uma greve geral. Bom… não sei se devo dizer ‘geral’ porque foi na ordem dos 70 %, aqui há uns 25 ou 30 anos. Houve depois umas grevezitas, mas de 100 % nunca houve. Quanto a manifestações de descontentamento isso houve e deve-se fazer", conclui Aníbal Pinto.

"ESTA MANIFESTAÇÃO FOI UM SUCESSO"

Para a organização, esta primeira manifestação foi “um sucesso” e uma primeira resposta à proposta do patronato. “Foi um grande sucesso esta primeira concentração. O patronato diz que as pessoas querem trabalhar mais e que o sindicato está contra tudo, mas vimos claramente que as pessoas não estão de acordo com as 52 horas semanais. Foi sempre o que afirmámos, e isso contraria o que o patronato diz", refere o responsável pelo sector da construção da LCGB, Jean-Paul Fischer.

"No início, contávamos com duas mil pessoas, mas a sala estava cheia. Montámos um ecrã gigante na entrada do pavilhão e mesmo assim havia pessoas na rua. Estiveram aqui mais de três mil pessoas, o que foi um sucesso. Quanto à mensagem, ela foi clara: as pessoas estão contra a proposta de aumento das horas de trabalho. Querem, sim, um aumento do salário, algo que não acontece há alguns anos e querem também respeito", disse o responsável da construção da OGB-L, Jean-Luc de Matteis.
Texto: Henrique de Burgo
Fotos: Marc Wilwert

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