Quase cem anos após a criação do escudo, as finanças nacionais estão numa situação idêntica. O escudo desapareceu, o euro nasceu, mas voltaram os défices recordes e necessidade de cortar na despesa, que atormentaram o início da moeda da República.
O escudo nasceu por decreto do regime republicano, a 22 de Maio de 1911, e sobreviveu até à entrada em circulação do euro em 2002. Quase 91 anos de uma vida complicada e sempre assombrada pelos défices, como lembrou Nuno Valério, professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e investigador da história económica portuguesa.
"Os últimos governos da primeira República conseguiram reduzir para cerca de três por cento os saldos negativos de oito ou nove por cento do produto interno bruto (PIB), que eram os maiores desde sempre em tempos de paz. Aliás, só se repetiram no último ano, em 2009", quando o défice se fixou nos 9,3 por cento, afirmou Nuno Valério, em entrevista à agência Lusa.
"Em três anos, os governos [da altura] fizeram aquela redução que agora se diz que vamos ter de fazer, entre 2010 e 2013, de nove por cento para três por cento. É claro que foi à custa de um aumento enorme da carga fiscal", acrescentou.
Depois da crise de 1890, quando Portugal decidiu suspender parte do pagamento da dívida externa, o regime republicano herdou um Estado totalmente afastado dos mercados financeiros internacionais. "O primeiro empréstimo significativo que se fez em mercados externos depois de 1890 foi para fazer a ponte sobre o Tejo, nos anos 60 do século XX", lembrou o investigador.
Governo após governo, desde a implantação da República, o esforço de então foi o mesmo que os executivos atuais enfrentam nas contas públicas - contra a corrente, cortar, cortar. Um trabalho que, sempre que parecia realizado, uma nova crise obrigava a recomeçar.
Depois da crise de 1890, "os governos republicanos chegaram ao equilíbrio das contas públicas em 1912, 1913 e 1914, mas veio a I Guerra Mundial, e com a guerra tudo descambou de novo", afirmou Nuno Valério, lembrando que os saldos negativos nas contas públicas, na altura, "foram os maiores de toda a história de Portugal. Chegaram a andar pelos dez por cento do produto interno bruto (PIB) de então".
O pós-guerra foi assim um tempo de "estabilização violenta", feita num período muito curto, que obrigou a um drástico apertar do cinto, para acabar com os cerca de dez por cento que existiam em 1918 e que se mantiveram nos entre os oito e os nove por cento até 1922.
"Foi de facto um esforço extremamente grande, que decorreu entre 1922 e 1926 e que se fez à conta de aumentos de impostos como nunca deve ter havido na história de Portugal. Em dois ou três anos, os impostos aumentaram cerca de 50 por cento", disse Nuno Valério.
"As consequências políticas também não foram favoráveis aos governos que fizeram isto, visto que depois veio a ditadura militar. É claro que há outras razões, mas aumentar cinquenta por cento os impostos não é obviamente favorável à permanência dos governos", acrescentou.
Rui Boavida,
da Agência Lusa
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