A Redacção do CONTACTO é multicultural, e as tradições natalícias também. Do Norte ao Sul de
Portugal, passando pelos pratos típicos e as tradições
cabo-verdianas, o Natal é diferente para todos. Em comum, apenas o
facto de todos terem já passado esta época longe do país e da família,
como tantos imigrantes lusófonos. Veja se reconhece algumas destas tradições: quem sabe não tem saudades do mesmo?
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Entre o Alentejo e o Algarve
Quando era criança, a época natalícia em minha casa começava muitas
semanas antes da data festiva. A minha mãe cozinhava dias inteiros para
fazer filhoses e outros doces. Fazia travessas e travessas. Dava para
partilhar com os vizinhos, com os primos e cheguei até a levar para a
escola, num dia em que tivemos que apresentar as
tradições
natalícias dos países de onde éramos originários. Os meus colegas de
turma luxemburgueses faziam caretas ao pronunciarem a palavra
“fi-lô-séch”, mas só à primeira, porque depois de provarem a pronúncia
vinha-lhes com mais naturalidade.
Mais tarde, descobri que
essas nuvens retorcidas, estaladiças e generosamente polvilhadas de
açúcar em pó, que no Alentejo de onde a minha mãe é originária, se
chamam filhoses, têm noutras terras portuguesas o nome de coscorõese, e
podem ter as mais variadas formas e ingredientes. Eu gostava de ver a
minha mãe a cozinhar longas horas e ela preparava-me leite quente com
canela ou noz moscada. Em casa, durante semanas pairavam aromas
adocicados, que tornavam o Inverno lá fora menos frio.
Na
noite da Consoada, a casa enchia-se de família e amigos, risos e
conversas soltas. Havia lombo assado e batatas no forno, sonhos,
coscorões, Dom Rodrigos e pastéis de batata doce algarvios, e o meu pai
servia o seu melhor Medronho, trazido secretamente no Verão anterior,
escondido no fundo falso de uma mala de cartão para escapar aos agentes
das alfândegas.
José Luís
Correia,
Chefe de Redacção
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O Natal começa
cedo
A celebração da época natalícia em
minha casa é marcada a partir da primeira semana de Dezembro com grande
entusiasmo. Erguer e enfeitar a árvore de
natal
com luzes, bolas brilhantes e fitas de cores múltiplas, e construir o
presépio sobre pedaços de musgo onde pontificam as figuras de Nossa
Senhora, São José e o Menino Jesus, os pastores, os rebanhos, e, claro,
os Reis Magos, assinalam a festa familiar mais importante do ano.
Depois, é esperar com alguma impaciência até ao dia 24 pelos
presentes que se vão avolumando em torno da árvore de
natal.
Na noite da consoada, a família
reúne-se à volta da mesa num burburinho característico dos dias de
festa. O bacalhau com natas é o prato preferido e a variada doçaria
(rabanadas, arroz doce, filhoses, broas, sonhos, bolo rei e tantas
outras iguarias) enche a mesa que é abandonada apenas à hora da
tradicional missa do Galo. De regresso, trocam-se as prendas e os
abraços.
No dia 25, o peru no forno recheado com castanhas
constitui o prato tradicional de um almoço que se prolonga quase sempre
até ao jantar, no qual se aproveita a "roupa velha" do dia anterior.
Álvaro Cruz
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No Reino Maravilhoso
Com os fluxos comerciais entre Portugal e o
Luxemburgo, não é difícil encontrar por aqui os ingredientes para a ceia
tradicional da consoada, do bacalhau às couves (que eu troco de bom
grado pelos grelos). O polvo, um prato que convive harmoniosamente com o
bacalhau na ceia transmontana, também se encontra facilmente.
Mas há
coisas que nem os transportadores que cruzam a fronteira podem fazer
chegar ao Luxemburgo. Este ano, como em todos os Natais que passo no
estrangeiro, vou sentir falta das fogueiras do Galo, um ritual pagão que
sobrevive em muitas aldeias no Nordeste transmontano. Há quem diga que a
tradição remonta às celebrações das Saturnais romanas, que marcavam o
solstício de Inverno, ou mesmo aos celtiberos das culturas pré-romanas.
Hoje, pesados troncos continuam a encher o adro ou o largo principal das
aldeias transmontanas, à espera de um ritual que se repete há milhares
de anos. No
Reino Maravilhoso de Torga,
acabada a missa do Galo, a população reúne-se junto destas gigantescas
fogueiras a céu aberto e por ali fica, a falar com vizinhos e amigos
noite dentro, de olhos fixos no braseiro. Numa noite em que a maioria
das famílias fica em casa, os transmontanos desafiam o frio, o breu e os
medos atávicos para reviver uma grande tradição comunitária. E eu, mais
uma vez, vou ter pena de ficar em casa.
Paula Telo Alves
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Cabo Verde: "Natal sabe"
As
saturninas não tinham passado o Trópico de Câncer e em Cabo Verde não
tínhamos árvores de Natal e troca de presentes. Nem o Pai Natal.
Alguns meses antes desta época festiva, a minha mãe já
começava a distribuir por entre os três filhos algumas estrofes
natalícias na língua de Camões para declamarmos na igreja. Ainda não
tínhamos idade para a escola e nem sabíamos falar português. Mas o que é
certo é que na noite de Natal, sem direito ao erro, saíam aquelas
palavras mesmo sem sabermos o seu total significado. Todos os anos
participávamos no programa de Natal da igreja. Sem receber nada em
troca, tal como os reis magos, era a prenda que tínhamos para o menino
Jesus.
Em Cabo Verde não comíamos bacalhau, peru ou outras
iguarias típicas da Europa, mas o melhor prato que vinha à cabeça. Mas
também havia os bolos. À volta da mãe, uma escadinha de três filhos
esperava o momento certo para passar o dedo nas taças deixadas com
restos das massas dos bolos. Aquele cheirinho dos bolos da minha mãe
estava lá todos os anos. Hum... era
sabe (saboroso).
Com o tempo, Cabo Verde abriu-se às
tradições
de Natal e nós, família de um povo peregrino e aumentada a quatro
filhos, desde a chegada a Portugal que não dispensamos o bolo-rei e um
bom bacalhau à mesa.
Sabe ...
Henrique de Burgo
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De Braga a Beja
Com uma mãe
de Braga e um pai de Beja, as
tradições de
Natal em minha casa foram sempre muito diversificadas.
Do norte chegou-me a doçaria: a aletria, os formigos (uma iguaria feita
à base de pão e mel), as rabanadas, as filhoses de abóbora. Do sul, a
carne de borrego assada no forno, mas também as filhoses alentejanas,
uma massa esticada, muito fina, com dois cortes no meio e que se desfaz
na boca. Também havia umas que tinham o formato de uma flor...
Durante muito anos o meu Natal foi celebrado no Alentejo em casa dos
meus avós paternos. Ainda assim a minha mãe não prescindia, na noite do
dia 24, do bacalhau cozido com as couves e dos doces. Os meus avós
alentejanos olhavam com alguma desconfiança para os formigos e para a
aletria, mas era só até começarem a comer - o doce nunca foi amargo.
Apesar de o Alentejo ser pouco católico, pelo menos na terra do
meu pai, a missa do Galo era obrigatória. Com um frio de rachar, lá
saíamos de casa para celebrar, com outra meia dúzia de pessoas que
encontrávamos na igreja, o nascimento do menino. Durante muitos anos a
missa foi celebrada pelo padre Marvão. Quando este senhor, que eu sempre
conheci velhote, morreu, a missa da meia-noite também acabou em
Beringel.
De volta a casa, depois da missa, e à volta da
lareira, ou do braseiro, a minha avó começava a entoar cânticos ao
Menino.
As
tradições já se mantêm
ao longo de três gerações. Primeiro em casa dos meus pais e agora na
minha. Só que agora a juntar às
tradições
alentejanas e minhotas, há ainda que acrescentar as algarvias.
É uma festa.
Domingos Martins
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Rei dá lugar à Rainha
Sou oriunda
da região centro de Portugal e, como é tradição na minha zona, à mesa da
Consoada temos sempre o bacalhau cozido com batatas e couves. Não
faltam também os doces típicos da época festiva como os sonhos, as
filhoses de abóbora, os coscorões e as azevias (que são de longe o meus
doce favorito), e claro está, o bolo
rainha.
Digo bolo
rainha porque cá em casa o bolo
rei não recolhe o favoritismo.
A noite da Consoada é sinónimo também de reunião familiar, de conversas
pela noite fora junto à lareira, de gargalhadas e boa disposição, da
troca dos presentes à meia-noite e de muito chá bem quente, quando a
noite já vai muito adiantada, e que ajuda a digerir as muitas guloseimas
que comemos ao longo da noite. No dia 25 ao almoço, trocamos o peixe
pela carne e serve-se um saboroso assado de cabrito e de lombo de porco,
acompanhado de batatinhas no forno e grelos.
Irina Ferreira
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Natal badio
Como vivo o Natal? Esta é uma pergunta a que não me é fácil
responder se tiver em conta que, sendo filha de cabo-verdianos, e apesar
de ter nascido ainda naquele país, não acredito que o meu Natal seja
vivido da mesma forma que em Cabo Verde, mas também não sei se será
igual ao Natal dos portugueses.
Ouvia a minha avó
contar que o Natal não era muito comemorado na Praia (capital de Cabo
Verde), mas sempre no interior da ilha, onde as pessoas do campo
preparavam semanas antes a chegada dos familiares da capital. Era uma
grande festa. Tudo era feito num ambiente de partilha e alegria, os
cabritos mais robustos eram preparados, as galinhas mais pesadas, a
feijoada com carne salgada e os melhores
grogos (compara-se com
a aguardente) eram engarrafados para serem servidos aos visitantes que
eram esperados com ansiedade.
Cada casa da aldeia recebia
muitos convidados, mas os visitantes eram recebidos por toda a aldeia,
uma vez que eram "obrigados" a visitar todas as casas e a provar todas
as iguarias que tinham sido confeccionadas especialmente para elas,
incluindo o chamado
morabeza . Quem vinha da capital trazia as
mãos cheias de coisas que eram difíceis de encontrar no interior: bolos,
doces, açúcar, bolachas, entre outros produtos.
Hoje, a minha
família reúne-se na tarde de 24 de Dezembro e juntos preparamos aquilo
que vai ser a nossa ceia de Natal. O peru e o bacalhau já fazem parte da
ementa. Mas o cabrito, o pato e os bolos, dos mais variados, também
fazem parte da mesa da Consoada.
Aproveitamos esta reunião
para lembrar os tempos antigos de Cabo Verde e o meu avô aproveita
também, juntamente com os meus tios, para cantar a
ressa ,que é
uma espécie de cântico que antigamente era cantado no interior da ilha
de Santiago.
Aleida Vieira